segunda-feira, 16 de maio de 2011




Vesti a mesma roupa que tinha usado há um ano atrás. Ainda me serve, pensei, receio sempre ter engordado. 
Fui trabalhar, todos estranharam não estar vestida de preto. Faltei às aulas, estranharam certamente, foi a primeira vez. Tinha um encontro marcado no Parque das Nações, às 19.30 precisamente. Não falhei! 
À hora marcada ali estava eu a tomar café comigo e na mesma esplanada de há um ano. Só não tinha ninguém a ocupar o lugar em frente ao meu. E foi com ninguém que jantei no restaurante onde tinha jantado gratamente acompanhada. 
Para cumprir o ritual tinha de ir para a rua e percorrer o mesmo circuito, correndo o risco de me perder, como só eu me sei perder, naquelas ruas distintas, mas que sempre me parecem iguais. Iguais permaneciam as estrelas que tinha inventado há um ano atrás. “ O olhar descobriu estrelas que só existem nos teus olhos.” Disse-me o meu amor, agora ausente, deixando o meu lado esquerdo vago e a saudade do abraço que só ele sabia dar. 
Não me permiti ficar triste. Decididamente o amor dá muito trabalho. Está muito além da minha capacidade de aguentar a rejeição. 
Era quase meia-noite. Também o tempo desta vez voara. Pudera, reproduzi todas as situações o mais fielmente que a minha memória conseguiu reter. Ainda que o meu lado esquerdo permanecesse vazio senti-me sempre acompanhada, abraçada, mimada. Ninguém se meteu comigo, talvez por perceberem que eu afinal não estava só. 
Meia-noite, tinha de ir embora. Assegurei que não perderia nenhum sapato, tipo cinderela, a última coisa que queria era um príncipe desesperado atrás de mim. 
Não era hora de ir para casa, só às três e meia da manhã. Tinha esgotado a resistência à copia fiel do dia que queria homenagear. Implicaria ir sozinha para a beira-mar, não tinha capacidade para tanto. 
Um bar em Sintra foi a opção. Conhecia o ambiente saudável e o barman. Escolhi a mesa mais isolada. Queria manter o meu lado esquerdo vazio, insubstituível, ninguém teria essa capacidade. 
Música dos “Nirvana”. Lindo ! Come as you are…as you were…as I want you to me… a s a friend…take your time…take your breath ( ? )… As I want you to be/me ( ? )… o Kurt Cobain já morreu, já fez o que tinha a fazer e retirou-se de cena ou melhor de palco. Os que estamos vivos ainda temos essa parte maçadora para cumprir. 
Veio-me à memória que esquecera de comprar queijo Brie e a revista Visão. 
Tinha um sujeito à minha frente, dei com ele a mover a cabeça de forma demencial com risco de bater com a dita na parede. Antes a dele de que a minha. Por cima de mim , a música escorria, derramava-se agradável. Á minha frente, com um copo na mão à laia de brinde uma “coisa” insinua sentar-se ao meu lado. Recuso-lhe a intenção alegando que quero estar sozinha e ele diz que também não pretende fazer-me companhia, aquela é a mesa habitual dele. Se eu quiser permanecer ele até nem se importa, desde que me mantenha calada. 
Nem me indignei, ocupou o lado direito e eu mantive-me fiel a quem não tinha no meu lado esquerdo. A “coisa” começou a falar, chamava-se Nuno ( tenho para mim que ainda se deve chamar). Portador de uma voz lindíssima e um discurso fluido. Tinha um ar agradável, demasiado agradável para o que a minha estabilidade emocional conseguia suportar. Imaginei-me passado um ano, ali no mesmo lugar, com a nostalgia do lado direito vago. 
Levantei-me, paguei, saí resistindo ao impulso de olhar para trás. 
Fui para casa. Chorei e vesti-me de preto, fiel a uma espécie de luto que paira sobre mim …

MORTINHA POR NÃO ME IMPORTAR ...





Como quem cala meias verdades e houve falsas mentiras há uma vida que colecciona vidas e já não conta histórias de pasmar. 
Sonâmbula, liberta, perfumada, género feminino (gaja), número singular (infinito) e numa reprimida indiferença, recolho as mensagens caídas no chão. 
No código dos risos permaneci como se fosse ontem. Seduzo a sombra do que fui, as barreiras são surdas. O tempo espelha o presente, o futuro, esquece a cópia do passado. Uma metáfora camuflada, sob a folha murcha de uma biografia que revela uma leitura inacabada. 
Cresce a consciência do renascer, talvez um dia eu não me importe de ouvir a porta bater. 
Talvez um dia eu não me importe que não se levantem para me receber. Gestos que tropeçam na indiferença, sem contorno de acção, porque já não importa agradar. 
Talvez um dia eu não me importe de recolher pedacinhos de mim e formar o puzzle que constrói o destino. 
Talvez um dia eu não me importe de ignorar palavras mudas, caladas por quem não soube corresponder, nem compreender as mesmas palavras que se queriam correctas. 
Quando olho para trás, afinal estava infeliz e não sabia… 

Ele, género masculino numero (muito… muito) singular!

MORTINHA POR DIAS ASSIM ...




E o telefone  que não toca, mas em que eu toco... na tentativa, vã, de o contrariar... 

A morte de um sonho é tão triste como a própria morte, merece, por isso, respeito, funeral e missa de sétimo dia. 

O silencio e o tempo... o tempo rejeito... não quero ter tempo! 

Gosto de dias assim, vazios, despidos... dias que não são dias!

MORTINHA PElO MEU ESPANTALHO ...

 


Proporcionalmente às coisas de que realmente gosto, gosto de menos coisas. Gosto de burros, abraços, 
cemitérios, de ti, de mim, etecétera e tal, mas isso já toda a gente sabe. O que pouca gente sabe, e digo pouca porque há alguém que sabe, é que gosto de espantalhos. Não me refiro aos espantalhos que abrilhantam e se cruzam connosco no nosso dia-a-dia. Esses respeito, naturalmente, senão pouca gente sobraria para respeitar e eu gosto de sentir que respeito muito. Refiro-me, mesmo, àqueles espantalho das hortas com cabelos de palha e vestidos de roupas velhas e quanto mais velhas melhor, um espantalho de smoking duvido que me causasse o mesmo efeito. Claro que não consigo explicar este meu fascínio pelos ditos, como também não consigo explicar porque é que eu acreditava em tapetes voadores, enquanto os outros miúdos acreditavam no pai Natal. 
O objectivo dos espantalhos é afugentar os passarinhos, mas espantalho que se preze tem sempre os braços a servir de poleiro para os mesmos. Daí os espantalhos já não abundarem como outrora. Foram substituídos por uma espécie de ventoinhas que fazem tictac. 
Os espantalhos que abrilhantam e se cruzam connosco, são insubstituíveis, continuam com falinhas mansas, trajam de gala e acalentam a esperança que façamos do cinismo deles o nosso poleiro. 
Em homenagem aos espantalhos, de que realmente gosto, com cabelo de palha e vestidos de roupas quanto mais velhas melhor, peguei num e coloquei-o no lado de lá da porta, não é que os passarinhos me incomodem, é uma espécie de amuleto com o intuito de me proteger de mal intencionados. E confesso que resulta! Passei a ser vista como demente, logo um alvo a evitar. É o mundo em que vivemos, só a demência é que nos salva. Como os opostos se atraem, nada como fingir demência para repelir a mesma. 

Agora vou, tenho mais um espantalho, com cabelo de palha, vestido de roupas muito velhas e de braços muito abertos para me servir de poleiro…

MORTINHA POR DECORAR ...




Trágico o ritmo do meu sorriso lado a lado com sombras e recuos. Sortilégio abalado pelo chão onde me folheio. 

Rejeito um cenário de cores como quem rejeita a verdade crua, encurralada num grito. 

Neste contento descontente de permitir o que não basta, sendo que não me sei sentir só na solidão da partilha, são salgadas as horas… é concreto o vislumbre da evidência resumida no gesto que não chegou a ser. 

Lapidada ou moldada, deslizante como um lápis que se quer de carvão, vou desenhando passagens e sem fugir apago as pegadas quando penso para onde vou. 

Não adianta perguntar! Nem eu sei se cheguei, muito menos se ainda estou. 

Ninguém sabe de cor a cor da minha ausência…

MORTINHA POR ENCANTAR ...












Brindo ao desencanto, mais ou menos, refugio-me na figura que um defunto plagiou, sopro a vela, atiço a fogueira e a paixão continua medíocre. 

No vazio da distância suspendo-me pela causa de um gesto oferecido e a meia-noite permanece intacta, o meio da noite também. Pretendo atrasar-me, digo eu, e anuncio o espanto. Num socorro sem alivio, corro só, como quem se esgota na despedida e despida permanece, mas de distância, sendo assim ainda não chorou de saudade quem se fez de contente. Assim sendo volto a anunciar o espanto, só que tenho uma falta de jeito… 

Com quantos gestos de indiferença se destrói a velha nota de rodapé onde foi escrito “para sempre…” 

E depois há uma voz rouca que me chama, talvez queira saber a quem pertence, mas não ainda!